07 agosto 2009

Geração beat -- novo livro na área.






Claudio Willer, 68 anos, recebeu a reportagem do Correio Braziliense em seu apartamento, no bairro paulistano da Bela Vista, para falar sobre a geração beat.


Correio Braziliense – Claudio Willer, você usa em seu livro o termo "geração beat" em vez de, por exemplo, "movimento beat". Por quê?

Claudio Willer – Esse era o termo que Jack Kerouac usava. Foi o termo que ele usou em uma conversa com o escritor John Clellon Holmes, o termo que ele escrevia em seus diários e que depois apareceria em On the road. Ele achava que fazia parte, com seu grupo de amigos, de uma geração beat em contraposição à lost generation, a "geração perdida", a geração anterior, de F. Scott Fitzgerald. E Kerouac faz uma polissemia.
Ele usa beat no sentido de batido, ferrado, tanto quanto no sentido de beatitude. Inclusive essa duplicidade de sentidos está no On the road. Quando ele chama Neal Cassady de "beat" num trecho em que ele diz que Neal é um santo, na razão direta da irresponsabilidade, das sacanagens que ele fazia. É um trecho paradoxal, bastante dostoievskiano.

Correio Braziliense – E esse termo "geração" também passa uma ideia de grupo fechado. Reforçando a amizade, de cumplicidade entre os autores, que você enfatiza no livro.

Claudio Willer – A essência da geração beat é a amizade. Eles eram muito diferentes uns dos outros. Mas a amizade é essencial ao uni-los. A amizade e, obviamente junto a ela, o inconformismo e a inquietação. Havia essa relação profundamente fraterna, de cumplicidade.
E até mais do que isso. Há vários episódios sexuais entre eles, inclusive aquela loucura sexual de desdobramentos de Kerouac e Ginsberg envolvendo Neal Cassady e as mulheres dele. É algo que interessa porque vai além da crônica de costumes.
Tem vários outros sentidos. Há um sentindo simbólico claro. Eu diria que há um compartilhar total: de textos, de leituras, de informações, de viagens, de diálogos, de corpos. Talvez seja uma abolição de sentidos entre o simbólico e o corporal. Essa é uma das interpretações possíveis.

Correio Braziliense – Kerouac, Ginsberg e Burroughs são os autores mais reconhecidos da geração. Mas qual a importância de Neal Cassady?

Claudio Willer – Neal Cassady era esse personagem controvertido. Burroughs não suportava ele, achava ele agitado demais. Cassady realmente aprontava demais, dava desfalque, mentia para os amigos. A questão não é o Cassady, mas a mitificação de Cassady por Kerouac, que se mostrou literariamente produtiva, e a atração física de Ginsberg por Cassady, que também se mostrou literariamente produtiva.
Neal Cassady tinha um talento verbal. Certamente tem mais de Cassady nas cartas que ele escreveu e no Visions of Cody, onde Kerouac transcreveu uma fita com a conversa de Cassady em trinta páginas, do que no único livro que Cassady escreveu (O primeiro terço), que traz um texto relativamente convencional, com um ou outro trecho mais coloquial.
Então o Cassady historicamente importante acaba sendo o Cassady visto por Kerouac e Ginsberg. O personagem ultrapassou a pessoa.

Correio Braziliense – Como se deu a polarização dos beats entre Nova York e São Francisco?

Claudio Willer – Nova York já era o centro do mundo. Era onde as coisas aconteciam. E São Francisco, mesmo sendo uma cidade relativamente pequena, com um milhão de habitantes, já era um local de cultura de resistência, já tinha uma tradição cultural, era um lugar mais aberto. A beat então se forma em Nova York e vem a público em São Francisco. E aí retorna a Nova York quando Ginsberg pega os textos dos autores de São Francisco e leva para os agentes, os editores, as revistas literárias da Costa Leste.
Mas agora... Não foi uma relação inteiramente pacífica a relação entre Ginsberg e o núcleo da Califórnia, como Lawrence Ferlinghetti, Michael McClure, Gary Snyder. Porque de repente Ginsberg se viu deslocado, não era mais o líder de um movimento geracional. De repente, Nova York e ele deixaram de ser o centro da vanguarda poética, com o surgimento da San Francisco Renaissance de Robert Duncan. Houve esse momento.

Correio Braziliense – E a beat deixou de ser vanguarda para ser pop...

Claudio Willer – Eu estive em Los Angeles e em São Francisco em 1963. Te diria que em Los Angeles, o bairro de Venice West, um bairro na época bonito, à beira mar, era um bairro. A população era predominantemente beatnik. Barbudos vestindo jaquetas militares de segunda mão, frequentando leituras de poesia, vivendo de artesanato e de pôsteres de silk screen. Era um bairro inteiro assim, como North Beach em São Francisco e o Village novaiorquino, que já era ponto boêmio. A expansão beat foi fulminante. Entre as publicações de On the road e Uivo e essa adesão maciça correu pouquíssimo tempo. Em 1958, o jornal San Francisco Chronicle já falava em beats no coletivo.

Correio Braziliense – A que se deve esse fenômeno?

Claudio Willer – Um fator decisivo para isso é a derrota da censura a obras literárias a partir da vitória no processo contra Uivo. Acho que para interpretar isso deve-se pensar como historiador, como sociólogo. Será que não faz parte da dinâmica da sociedade burguesa essa maior abertura? Assim como a sociedade capitalista precisava da social democracia, senão ia explodir, ela não precisava também de maior abertura? Para continuar a existir, será que não precisava desistir do controle direto sobre o comportamento? Quer dizer... Que tipo de dinâmica histórica subjaz a essa explosão, a essa repentina abertura? Esse é um tema complexo de sociologia que ainda não foi suficientemente examinado. Marx entendeu essa dinâmica da sociedade do capitalismo, essa mobilidade que a diferencia de outros modos de produção. Mas cabe uma revisão do marxismo. Porque, de repente, saiu de cena o proletariado e entrou o lumpen como categoria associada ao novo. Porque Cassady e Corso haviam sido típicos lumpens, moradores de rua. E Ginsberg, Kerouac e outros praticavam o lumpesinato voluntário. Eles viveram como marginais, né? Acho que essa associação do beat ao lumpen, que segundo Marx seria o extrato social inaproveitável para a revolução, é uma pista para pensarmos o fenômeno sociologicamente. O lumpen positivo.

Correio Braziliense – Os escritores anteriores que tinham optado por esse lumpesinato foram revalorizados pelos beats...

Claudio Willer – Claro. Esses escritores aventureiros foram recuperados. Como Jack London. O autor mais representativo, mais importante literariamente, nessa linha é Walt Whitman. O poeta errante, vagabundo errante. Whitman se colocou fora da estrutura de classes, à margem. Não era mais nem burguês, nem proletário. Ele criou um novo ator social, que os beats adotaram.

Correio Braziliense – Qual o apelo dessa atitude hoje?

Claudio Willer – Tenho a impressão que... Com o esgotamento do paradigma marxista ortodoxo, da ideia de militância política como caminho para transformar o mundo, os jovens hoje estão procurando outras coisas, estão indo às raízes do pensamento utópico e suas formas de expressão contemporânea. Sei que essa é uma generalização colossal, não é? Mas podem ser manifestações pós-queda do Muro de Berlim... O que não significa que o mundo mergulhou no conformismo. Ao contrário. Significa que o inconformismo está encontrando novas formas de se expressar. Novas formas de rebelião individual. Eu tenho observado o que vem acontecendo desde 1960 e sou otimista. Sou otimista porque o mundo atual e a ameaça de fim de mundo apresentam questões que pedem novas respostas. E aquilo tudo que a vida em sociedade num mundo urbanizado tem de insuportável também pede resposta.

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